Notícias > Riscos Ocupacionais: Mais Atenção Ao Benzeno
"Completa, por favor - até a boca". Quem nunca ouviu um motorista pedir isso ao frentista quando vai abastecer o seu automóvel nos postos de gasolina? Raramentea resposta é negativa diante dessa solicitação. Isso ocorre mesmo com as leis municipais e estaduais em todo o País proibindo o abastecimento após ser acionadaa trava de segurança automática das bombas de combustível. As leis existem para evitar a contaminação dos frentistas e também dos clientes com os solventes da gasolina, que evaporam durante o abastecimento e são absorvidos através da pela e na respiração. Dentre esses solventes, está o benzeno, considerado o maior inimigo da saúdo dos frentistas.
Trata-se de um hidrocarboneto aromático (composto formado exclusivamente por carbono e hidrogênio), largamente utilizado pela indústria petroquímica. Além de estar presente nos combustíveis, o benzeno também é matéria-prima de plásticos, corantes, medicamentos,detergentes, loções, adesivos, borrachas e tintas. É um produto altamente tóxico e cancerígeno. Por conta disso, tem sido regulamentado internacionalmente por agências como a agência americana Occupational Safety and Health Administration (OSHA). O nível máximo de exposição do benzeno no ar é definido pela OSHA em 1 parte por milhão (ppm) durante uma jornada de oito horas diárias, e, em nenhum momento, pode ser superior a 5 ppm.
No Brasil, o benzeno merece, desde o ano passado, um anexo específico na NR-9, que trata da prevenção a riscos ambientais. Com o título "Exposição Ocupacional ao Benzeno em Postos Revendedores de Combustíveis", a inclusão ao anexo II na NR-9 foi assinada pelo ministro do Trabalho, em setembro, e requere uma série de medidas de proteção aos trabalhadores por parte dos proprietários de postos.
"Os frentistas sempre estiveram expostos a riscos inerentes ao trabalho com combustíveis, especialmente o contato com o benzeno. A exposição a esse hidrocarboneto é constante. Fala-se que o grau de exposição é tolerável e que a substância é controlada na composição do combustível, mas não há qualquer controle, pois sabemos que há muita falsificação no mercado de combustíveis e que os índices de toxicidade são altos. Então, o que podemos fazer é trabalhar para criar normas de segurança nos postos. Esse anexo foi uma vitória. Ainda faltam muitas medidas a serem acordadas", comenta o presidente da Federação dos Frentistas, Eusébio Pinto Neto.
Segundo ele, o anexo II da NR-9 vem para complementar e reforçar o que é previsto na NR-20 - norma referente à segurança e saúde no trabalho com inflamáveis e combustíveis. "Temos que criar um arcabouço de normas cada vez mais rígidas para proteger o trabalhador e a sociedade. O Ministério Público e o Ministério do Trabalho têm se empenhado para convocar os empresários e levar o debate à sociedade, para aumentar a consciência dos riscos"
Conscientização, capacitação e controle médico
Uma das determinações do novo documento que integra a NR-9 é justamente a proibição do abastecimento após a trava automático. A exposição ao benzeno é de três a quatro vezes maior quando o frentista, atendendo pedido do motorista, ignora o travamento da bomba e continua a encher o tanque de combustível. Apesar de leis estaduais e municipais proibirem a prática, não há consciência por parte dos frentistas tampouco dos clientes.
Visando a conscientização da sociedade, o anexo exige uma sinalização - placas de 20 cm x 14 cm informando do que "a gasolina contém benzeno, substância cancerígena - risco à saúde".
A conscientização do frentista será um resultado de sua capacitação. O anexo obriga os donos de postos a oferecerem cursos, com carga mínima de 4 horas, abordando vias de absorção do benzeno, sintomas de intoxicação, medidas de prevenção e procedimentos de emergência. O processo de qualificação profissional - com reciclagem a cada dois anos - deverá abranger todas as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores de postos combustíveis: desde a conferência do produto no caminhão-tanque até a limpeza de válvulas, bombas e canaletas.
Outra exigência do novo anexo diz respeito ao controle médico. Os trabalhadores agora devem realizar, a cada semestre, um hemograma completo com contagem de plaquetas e reticulócitos. Os hemogramas deverão ser organizados sob a forma de séries históricas, catalogados e entregues ao trabalhador em caso de recisão de contrato.
As regras do anexo II também proibem o uso de flanelas, estopas e tecidos similares para a contenção de respingos e extravasamentos. Para a limpeza de superfícies contaminadas com combustíveis líquidos contendo benzeno, será admitido apenas o uso de toalhas de papel absorvente, desde que o trabalhador esteja utilizante luvas impermeáveis apropriadas.
Investimentos por parte dos proprietários
Além de requerer a conscientização dos trabalhadores, algumas das novas normas exigem também investimentos um pouco mais vultosos e criação de condições logísticas por parte dos donos dos postos. É o caso do item referente ao uniforme. O novo anexo torna obrigatória a sepração entre as roupas comuns dos trablahadores e seus uniformes. Combinada à NR-24, que trata das Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho, a nova norma implica na instalação de armários compartimentos separados para cada vestimenta.
Mas que isso, ao empregador foi também confiada a higienização dos uniformes semanalmente, o que significa a contratação de serviços de lavanderia ou a construção no posto de espaços para a limpeza dos uniformes dos funcionários. Ainda com referência aos uniformes, o anexo determina que o empregador mantenha à disposição unidades extras - pelo menos um terço do número de funcionários expostos ao benzeno.
Outra medida que exige investimentos é a instalação do sistema de recuperação de vapores junto às bombas de combustíveis líquidos que contenham benzeno. Pelo sistema, os vapores são direcionados a um tanque de combustível do próprio posto ou para um equipamento de tratamento de vapores. Os postos têm um prazo de 36 meses para instalarem esses sistemas.
Resistências
Segundo o presidente da Federação Nacional dos Frentistas a maior parte dos postos ainda não cumpre as normas. "É um setor empresarial muito resistente, que não tem gestão profissional e, por isso, pouco se preocupa com a saúde do trabalhador. A fiscalização não é suficiente - pelo alto número de postos (só em São Paulo são mais de 2200) e também pela alta rotatividade entre funcionários", diz Eusébio.
O turnover dificulta o trabalho de conscientização e aumenta os gastos em capacitação. Fora isso, também prejudica a construção de um histórico sobre a saúde do trabalhador no setor. Quem destaca esse aspecto é o engenheiro de Segurança do Trabalho e Meio Ambiente, com especialização em gerenciamento de riscos em postos de combustíveis e serviços, Albertoni Martins da Silva Junior. "Seria importante termos relatórios anuais do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional", defende.
Albertoni concorda que o anexo II é um avanço mas que ainda há muito por ser feito no setor. Ele comenta que, na avaliação médica, por exemplo, são exigidos apenas hemogramas, quando poderiam ser incluídos exames que detectassem outras substâncias causadoras de alterações na medula óssea.
Para Albertoni, o setor tem dificuldade de cumprir as normas por falta de orientação. "Ninguém conhece o limite de tolerância ao benzeno. Não é só a gasolina que contém o benzeno - o etanol também tem esse componente e ninguém comenta. Também não só o benzeno é tóxico, há várias outras substâncias que oferecem riscos à saúde de quem trabalha nos postos. Mas só especialistas conhecem".
Eusébio Luiz complementa que há também uma alta rotatividade entre os donos e que, em razão disso, muitos desconhecem o setor. Ele sugere que as distribuidoras de combustíveis sejam envolvidas no debate e convocadas a assumir uma responsabilidade compartilhada. "Elas têm se negado a isso, mas não podem fugir ao compromisso, pois divulgam suas marcas através dos postos. Muitos dos postos, inclusive, são arrendados e dependem da aprovação da distribuidora oara quaisquer iniciativas. É uma questão de sustentabilidade: a distribuidora não pode vender o seu produto final em um estabelecimento que não cumpre leis trabalhistas e normas de segurança."
Próximos Passos
Para além do anexo II da NR-9 especialistas em segurança e representações de frentistas continuam trabalhando para levar à bancada patronal novas propostas. "Estamps estudando a possibilidade de os postos adotarem um uniforme feito com tecido leve que não absorve partículas químicas. É como o que usam os trabalhadores que lidam com agrotóxicos. Também estão sendo pesquisados os riscos específicos para gestantes", comenta Albertoni.
Eusébio Luiz fala de outros riscos enfrentados pelos frentistas como o da violência: "em algumas regiões, temos tido um índice de assaltos bem acima do que sempre foi registrado. E buscamos o apoio das Secretarias de Segurança para minimizar o problema".
O autoatendimento ou "self-service" nos postos de gasolina, muitas vezes sugerido como solução para os problemas enfrentados por frentistas, não é, na opinião dos especialistas, uma alternativa consistente: "nem em países de primeiro mundo os sistemas são totalmente automatizados - a presença humana é importante, inclusive para garantir a segurança do cliente", justifica Albertoni.
Matéria por: Luciana Lana
Fonte: Revista CIPA, ed. Abril 2017, sessão de Risco Ocupacional.