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Descarte incorreto de medicamentos e tratamento ineficiente do esgoto resulta em problema invisível: a presença de fármacos na água
A água dos rios, mares e lençóis freáticos estão cada vez mais contaminadas com fármacos, substâncias utilizadas no desenvolvimento de medicamentos. Através do descarte indevido de medicamentos em pias, vasos sanitários, aterros sanitários clandestinos e no próprio meio ambiente, e até mesmo através do transporte de urina e fezes via rede de esgoto, os fármacos chegam até as águas. Segundo pesquisa realizada pelas Faculdades Oswaldo Cruz em 2011, 75% das pessoas jogam fora seus medicamentos no lixo doméstico e 6% na pia ou vaso sanitário. Mas, esse tipo de descarte pode afetar diretamente a qualidade das águas subterrâneas e superficiais.
Segundo informação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), cerca de 30 mil toneladas de remédios são descartadas a cada ano pelos consumidores. De acordo com Mauro Banderali, especialista em instrumentação ambiental da empresa Ag Solve, “o descarte irregular provoca a contaminação dos cursos d’água e impacta indiretamente a saúde do homem, dos peixes e de outros organismos aquáticos”.
De acordo com o farmacêutico e professor do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Angelo da Cunha Pinto, muitos dos princípios ativos encontrados na água atualmente são hormônios, classificados como interferentes endócrinos, ou seja, compostos, sintéticos ou naturais que influenciam a atividade hormonal de organismos vivos. "Eles alteram, principalmente, o sistema reprodutivo de machos e fêmeas e alguns podem causar câncer de mama, ovário, etc; mas só quando estas substâncias estão presentes em concentrações elevadas. No caso dos animais aquáticos, os problemas são críticos porque os interferentes endócrinos podem mimetizar os hormônios naturais e com isso comprometer os sistemas reprodutivos”, salienta o professor.
O problema da contaminação por fármacos, típico das cidades desenvolvidas, pode também estar causando problemas a pessoas ou comunidades. “Como os estudos ainda são muito recentes, mas já se observa mudanças nos sistemas reprodutivos de animais aquáticos, é importante que as agências reguladoras garantam a qualidade da água consumida pela população para evitar possíveis problemas graves no futuro”, confirma o professor.
Conforme frisa Mauro Banderali, especialista em instrumentação ambiental, em razão do alto risco de contaminação, é necessário um controle cada vez mais rígido da qualidade dos recursos hídricos. Segundo ele, através da tecnologia atual, já é possível monitorar fármacos e outros compostos na água de rios, mares e lençóis freáticos.
Fármacos nas torneiras
Não só os rios e mananciais subterrâneos estão contaminados com medicamentos. A água que sai das torneiras, depois de tratada, pode conter anticoncepcionais, anti-inflamatórios, antidepressivos, entre outros. O professor da UFRJ, Angelo da Cunha Pinto afirma que mesmo após o tratamento, ainda é possível a água estar contaminada com compostos dos medicamentos, pois “muitos princípios ativos de fármacos e produtos de higiene pessoal resistem ao tratamento da água, que em muitos casos, é ineficiente”.
Segundo Mauro Banderali, “através do tratamento do esgoto, é possível eliminar resíduos sólidos e até mesmo metais pesados, porém alguns compostos químicos dos remédios não são eliminados, pois certas substâncias resistem ao tratamento convencional e não são completamente removidas nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE’s)”.
Para Angelo da Cunha Pinto, é necessário que as agências reguladoras definam os limites máximos dessas substâncias em águas de rio e potáveis, assim como ocorre nos países do bloco europeu. “Melhorando as estações de tratamento das redes de esgoto e de água potável e através do monitoramento dessas substâncias na água consumida pela população, é possível amenizar o problema. A água é um bem comum e essencial à população e sua qualidade deve estar garantida para o consumo”, defende o farmacêutico.